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O juiz Fabiano Verli, da Justiça Federal do Amazonas, concedeu liberdade provisória a mais um dos acusados de participação nos crimes de duplo homicídio e ocultação de cadáver do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, no dia 5 de junho: o pescador Laurimar Lopes Alves, conhecido como “Caboclo”. Preso desde 6 de agosto, ele é cunhado do réu confesso pelos disparos contra a dupla, Amarildo dos Santos Oliveira, o “Pelado”. Verli é o mesmo magistrado que libertou Rubens Villar Coelho, conhecido como “Colômbia”, apontado como possível mandante dos assassinatos.
A decisão de mandar soltar Laurimar Alves, ocorrida na terça-feira (6), ocorre um dia depois de os homicídios completarem seis meses e após um novo ataque na Terra Indígena Vale do Javari, ocorrido em 9 de novembro. Nessa data, um grupo de indígenas do povo Kanamari foi atacado por pescadores ilegais de pirarucu e tracajás (quelônio amazônico), encabeçado por um homem identificado como “Romário” e que seria sobrinho de “Pelado” – filho de uma de suas irmãs.
Lideranças indígenas apontam para o crescimento do clima de insegurança e para a falta de ação das autoridades policiais, do Ministério Público Federal (MPF) e da Justiça. “A soltura de ‘Caboclo’ representa o descaso que as autoridades continuam tendo com a questão grave que assola a região [do Vale do Javari]. A Polícia Federal e o MPF até agora não robusteceram os fatos que indicam todos os réus como culpados”, acusa Eliesio Marubo, advogado indígena e assessor jurídico da União dos Povos do Vale do Javari (Univaja).
Segundo Eliésio Marubo, é um procedimento comum da Justiça acabar com uma prisão preventiva, caso não haja elementos que reforcem as acusações. Foi o que ocorreu com “Caboclo”. O advogado explica que sem fatos novos que garantam a manutenção da prisão de um acusado, “não há outra alternativa, senão expedir a soltura”.
O magistrado da Justiça Federal decidiu que Laurimar deve permanecer em “reclusão domiciliar por tempo integral, exceto por 4 horas diárias, para atividades de trabalho, em caso de emergência de saúde comprovada e nos casos de saída para comprimento de deveres com a Justiça”.
“Caboclo” deverá entregar passaporte, caso tenha, e está proibido de sair do País ou circular em outros municípios que não os citados na decisão. Ele não poderá utilizar telefone, internet e de ter contato “com os demais acusados ou pessoas que já tenham relatado se sentir ameaçadas por ele”. Outra determinação é que Laurimar deverá comparecer mensalmente à sede da Justiça Federal em Tabatinga ou na Justiça Estadual de Atalaia do Norte ou Benjamin Constant, cidades onde ele tem endereços, “para demonstrar estar à disposição da Justiça”.
Laurimar não precisará usar tornozeleira eletrônica, pois, segundo o juiz Verli, “a monitoração eletrônica não está acessível nesta parte do território de modo confiável e constante”. De acordo com o magistrado, o acusado “está preso há meses com base em duas coisas: um relato de uma pessoa da região, preocupada com a ação de grupo criminoso ligado principalmente à pesca ilegal, e uma espingarda achada na sua casa” e que “nada de novo apareceu” ou “pelo menos, nada de novo foi acostado pelo MPF aos autos”. Para o juiz, “o indício contra ele (‘Caboclo’) deve ser sopesado com o princípio magno da presunção de inocência e da garantia da liberdade, como regra”.
Para justificar a posse ilegal da arma por “Caboclo”, o magistrado, na prática, autoriza que qualquer pessoa de locais isolados da região Norte tenham o direito ao porte. “Trata-se de ribeirinho que mora em local visitado por animais nocivos e sem qualquer patrulha de qualquer polícia, infelizmente”, escreve na sentença. Em seguida, o magistrado defende que isso “não torna a posse legal, mas justifica a narrativa de que sua posse, dentro do postulado da razoabilidade, não necessariamente quer dizer intenção de usá-la contra os demais comunitários”.
O juiz reiterou que o MPF foi contrário à decisão de liberar o acusado. Procurado pela reportagem, o MPF respondeu que, ainda nesta terça-feira (6), entrou com um recurso junto ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), “para que a decisão seja reformada”.
De acordo com reportagem da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Laurimar Lopes Alves teria sido nomeado pela prefeitura de Atalaia do Norte para ser a ponte entre o poder municipal e os pescadores que atuam ilegalmente nas imediações e dentro da Terra Indígena (TI) Vale do Javari.
Com a soltura de “Caboclo”, permanecem presos Amarildo da Costa Oliveira, o “Pelado”, e outros familiares dele: seu filho Amarílio de Freitas Oliveira, conhecido como “Dedei”; seus irmãos Eliclei Costa de Oliveira, o “Sirinha”, e Oseney da Costa Oliveira, o “Dos Santos”. Além deles, Jefferson da Silva Lima, o “Pelado da Dinha”, que também é acusado de ter disparado contra Bruno e Dom.
Mais tensão no Javari
A soltura de “Caboclo”, assim como aconteceu com a liberdade dada a “Colômbia”, causou nova tensão e clima de incerteza e medo entre os indígenas do Vale do Javari. Um deles, que pediu para não ter seu nome revelado por receio de mais ameaças, afirma que a decisão do juiz acaba ajudando a piorar o clima de insegurança vivido por lideranças da TI Vale do Javari.
“A pessoa é um assassino cruel, frio e calculista. Passa uns meses preso e a Justiça decide liberar um assassino desse porte, sendo um dos que ajudou a esquartejar Bruno e Dom Phillips? Mais uma vez a Justiça coloca nossas vidas em risco”, diz essa fonte indígena.
Laurimar é um dos pescadores mencionados nos vários ofícios enviados pela Univaja às autoridades de Segurança e da Justiça, quando Bruno e Dom ainda estavam vivos. Em um ofício de 12 de abril, a Univaja relata que na madrugada do dia 15 de março, a Equipe de Vigilância da Univaja (EVU) uma embarcação “agenciada por Laurimar Alves, o ‘Caboco’, morador da comunidade Ladário e de Benjamin Constant, conseguiu sair tranquilamente da terra indígena pelo igapó, entre a Base da Funai, e o Lago Jaburu”.
Para o advogado Eliésio Marubo, a soltura de Laurimar representa o aumento da insegurança na região: “Eles têm ligação com o fato ocorrido [assassinato de Bruno e Dom]. Está comprovado isso! Só estão soltos por incompetência institucional”, diz ele também se referindo à soltura de Rubens Villar, o “Colômbia”.
“Colômbia” está em prisão domiciliar desde 15 de outubro, depois de pagar fiança de 15 mil reais. Ele foi preso em flagrante por falsidade ideológica após apresentar documentos falsos na sede da PF em Tabatinga, Amazonas.
O comerciante (que até hoje afirma ter nacionalidades peruana, colombiana e brasileira) é apontado pelo MPF e pela Univaja como narcotraficante e mandante dos assassinatos de Bruno e Dom, por controlar uma rede criminosa de pesca ilegal que promove sistamáticas invasões à TI Vale do Javari.
“Eles estão se reerguendo”
No dia 16 de novembro, a Amazônia Real publicou o depoimento do indígena Higson Kanamari, que já indicava o clima de ameaça que se sucedeu à soltura de “Colômbia”. Para ele, os pescadores passaram a ficar mais “agressivos” e tinham voltado às atividades ilegais que comprometem o equilíbrio ecológico e ecossistêmico da TI, além da manutenção do território originário e suas fronteiras, onde vive a maior concentração de indígenas isolados do mundo.
A fonte indígena que foi ouvida sob a condição de sigilo para esta reportagem confirma que a rede criminosa comandada por “Colômbia” e “Pelado”, Amarildo dos Santos Oliveira, que atua no Vale do Javari, voltou a se reorganizar. “Essa organização de infratores e de assassinos… eles estão se reerguendo para fazer mais mortes, para levar mais tragédia ao Vale do do Javari. E a Justiça não toma providência. Fico triste, sinceramente, porque eu não sei mais em quem acreditar. Se existe justiça ou não existe justiça”, denuncia o indígena.
O indígena também relembra o ataque sofrido pelo grupo de Kanamari, no dia 9 de novembro. “Até agora a Justiça, mesmo sabendo quem fez o ataque, não mandou prender, não fez nada”, mencionando o homem identificado apenas por Romário, que seria sobrinho de “Pelado”.
Temendo por sua vida, o indígena afirma que a Justiça pode ser responsável pela insegurança dos indígenas na região. “Eu faço um apelo à Justiça que, por favor, reveja essa pessoa tão perigosa que está soltando. Porque eles vão estar juntos com os demais que já estão dentro da área indígena fazendo ameaça aos indígenas do Vale do Javari. Eu só peço por justiça”.
De acordo com o delegado Ellison Cocino, da PF de Tabatinga, Romário foi ouvido no dia 24 de novembro, mas liberado em seguida. Indagado pela Amazônia Real sobre o motivo de Romário ter sido liberado, o delegado não respondeu. Cocino também não informou sobre o andamento de um possível inquérito envolvendo Romário..
Já o MPF disse apenas que “as investigações sobre as ameaças dirigidas a indígenas Kanamari ainda estão em andamento e tramitam sob sigilo” e que, por isso, não pode dar mais informações sobre o andamento das investigações.
Por: Cícero Pedrosa Neto
Fonte: Amazônia Real