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Presidente eleito é maior novidade política da conferência de Sharm El-Sheikh, sombreada pela guerra e pela desconfiança entre os países
A COP27 (27a Conferência das Partes da Convenção do Clima da ONU) será aberta neste domingo (6) no balneário egípcio de Sharm El-Sheikh, sob a sombra de crises múltiplas.
A principal delas é a guerra na Ucrânia, que mandou pelos ares o espírito de cooperação internacional renovado após a posse de Joe Biden nos EUA e necessário para produzir a descarbonização acelerada da economia mundial. Sem um esforço concentrado de aumento radical de ambição climática nos próximos 96 meses, a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5oC em relação à era pré-industrial sai definitivamente do alcance.
A invasão por Vladmir Putin do país vizinho fez o mundo inteiro se voltar para os combustíveis fósseis, que a esta altura deveriam estar sendo aposentados. Até a verde Alemanha voltou a ligar termelétricas a carvão, para reduzir a dependência do gás fóssil russo.
Outro sinal amarelo vem dos EUA: daqui a apenas dois dias acontecem as eleições para o Congresso, e os democratas podem perder a maioria da Câmara dos Deputados. O Partido Republicano, movido rumo à extrema direita por influência de Donald Trump, nega a mudança climática e tende a causar problemas para os planos de descarbonização do presidente – além de ameaçar com a volta do próprio Trump ao poder daqui a dois anos.
Isso tudo sem contar, claro, com o fato de que ainda tá tendo aquecimento global, e cada vez mais acelerado. O ano de 2022 viu novamente extremo após extremo climático se sucederem, das chuvas mortíferas em Petrópolis às enchentes que cobriram literalmente meio Paquistão, deslocando 33 milhões de pessoas, à maior onda de calor da história, na China. Não muito longe da sede da COP, o Chifre da África vive neste momento uma seca que traz de volta o fantasma da fome à Somália. Pior ainda, a recuperação da economia após o pico da Covid-19 fez as emissões de carbono acelerarem mais uma vez em 2021. O dado final será divulgado nesta semana, mas na semana passada a ONU estimou que em 2021 as emissões igualaram ou ultrapassaram o recorde histórico de 2019.
É pouco auspicioso, portanto, o contexto da “COP da Implementação”, como ela vem sendo chamada pelos anfitriões egípcios. A própria agenda da conferência é morna: com o Livro de Regras do Acordo de Paris fechado no ano passado em Glasgow, sobrou para Sharm El-Sheikh um conjunto menor, mas nem por isso menos conflituoso, de decisões importantes.
A conferência precisa avançar em temas fundamentais para os países em desenvolvimento, como perdas e danos e adaptação. Até a noite de sábado, porém, ainda havia disputa sobre o que constaria na própria agenda do encontro, algo descrito como pouco usual por negociadores ouvidos pelo OC.
Espera-se que a COP27 reconheça o financiamento para perdas e danos como algo separado de adaptação, de preferência com um mecanismo próprio, para que países pobres atingidos por ciclones e outras catástrofes possam se reconstruir rapidamente e criar resiliência. Os países desenvolvidos resistem o quanto podem a essa questão básica de justiça climática, pois temem que o financiamento a perdas e danos seja visto como uma compensação pelo aquecimento global que eles já causaram. Ninguém quer produzir provas contra si próprio. No sábado, foi combinado que, na abertura, o presidente da COP leria uma ressalva de que financiamento para perdas e danos não significava compensação
As nações desenvolvidas também não explicaram ainda por que nunca cumpriram, nem disseram como cumprirão, o compromisso de destinar US$ 100 bilhões por ano entre 2020 e 2025 para financiar o combate à mudança do clima nos países em desenvolvimento. Sem dinheiro na mesa, o G77 (o bloco composto por mais de 130 nações do antigo Terceiro Mundo) não confiará nos países ricos e, sem confiança mútua, será muito difícil avançar no tema mais crucial da conferência: o aumento expressivo da ambição do corte de emissões de gases de efeito estufa, a chamada mitigação.
Entre outras coisas, a COP27 precisa debater o Balanço Global, o momento de 2023 para orientar a apresentação das novas metas nacionais (NDCs) em 2025. A conhecida insuficiência das NDCs que estão sobre a mesa (se todas forem cumpridas à risca, em 2030 terão reduzido 1% das emissões em relação a 2019, quando o necessário é 43%) fez os britânicos apresentarem na COP26, em Glasgow, no ano passado, a proposta de um acelerador de ambição. Conhecido como Mitigation Work Program, ou MWP, esse mecanismo pretende orientar decisões de aumento coletivo das NDCs nos próximos oito anos.
Mas alguns países em desenvolvimento, sobretudo os emergentes, vêm se comportando com uma espécie de negacionismo do MWP. Em junho deste ano, a China declarou que o MWP era uma “renegociação” do Acordo de Paris, já que os mecanismos consagrados de aumento de ambição são as NDCs e o Balanço Global.
Há muita liberdade interpretativa de ambos os lados: o acordo do clima de fato não prevê nada como o MWP. Por outro lado, ele diz que as NDCs podem ser ajustadas a qualquer tempo, desde que no sentido da maior ambição. Portanto, estão todos corretos, e o mais provável é que o G77 use o MWP como moeda de troca para ganhar concessões em itens como perdas e danos, adaptação ou financiamento.
No meio de todos esses impasses, entra em cena Luiz Inácio Lula da Silva.
Ao derrotar Jair Bolsonaro no último dia 30, Lula tirou automaticamente o Brasil da condição de pária global. Ciente do papel que a imagem internacional do país tem para trazer investimentos, o presidente eleito tem feito acenos em série à agenda climática, que promoveu a prioridade de sua política externa. Convidado pelo ditador do Egito, Abdul Fatah Al-Sisi, ele irá à COP27 na segunda semana. Estará acompanhado de duas de suas principais auxiliares, a deputada federal Marina Silva (Rede-SP) e a senadora Simone Tebet (MDB-MS).
O reengajamento do quinto maior emissor do planeta nas negociações do Acordo de Paris tem tudo para ser a maior novidade política de Sharm El-Sheikh. Espera-se que Lula anuncie seu(a) ministro(a) do Meio Ambiente na conferência, e que faça ao menos um aceno em relação à NDC do Brasil, no sentido de aumentar sua ambição ou ao menos corrigir a “pedalada” do governo atual.
Hoje o Brasil, juntamente com o México, é o único país do G20 a regredir na ambição de sua meta, dando a si mesmo permissão para emitir em 2030 73 milhões de toneladas de CO2 a mais do que na NDC original, de 2015. Ainda sem a caneta presidencial na mão, Lula não pode propor uma nova NDC, mas pode dizer como pretende aumentar a ambição do país.
“O discurso do presidente eleito na COP é muito aguardado. Dificilmente Lula terá poder de alterar a realidade da insuficiência das NDCs do mundo inteiro. Mas, num momento em que a liderança europeia é prejudicada pela guerra e a americana oscila devido às eleições, será importante ter o Brasil apontando caminho da ambição, especialmente para os países emergentes”, disse Stela Herschmann, especialista em Política Climática do OC.
Esta será a primeira vez que um presidente eleito do Brasil vai a uma COP. Em 2009, Lula tornou-se o primeiro mandatário brasileiro a ir a uma conferência do clima, a de Copenhague, onde fez um discurso que foi aplaudido de pé pelos delegados. A fala não bastou para salvar a conferência, que naufragou por desentendimentos entre China e EUA.
Depois de 2009, Dilma Rousseff falou em Paris em 2015, na cúpula de líderes que abriu a COP. Desde então o Brasil saiu de cena. Em 2018, uma das primeiras atitudes de Bolsonaro como presidente eleito foi cancelar a oferta do Brasil para sediar a COP25, que acabou indo para o Chile. No mesmo ano, ameaçou sair do Acordo de Paris – um de seus auxiliares, Nabhan Garcia, declarou que o tratado do clima servia apenas “para limpar a bunda”.
No ano passado, em Glasgow, Bolsonaro foi convidado para a cúpula de líderes, mas preferiu ficar na Itália confraternizando com neofascistas. A única fala brasileira na abertura da COP26 foi a da ativista Txai Suruí, que criticou o governo brasileiro – e foi agredida na sequência por um funcionário do Ministério do Meio Ambiente.
O Observatório do Clima preparou um documento de posicionamento com suas expectativas para a COP. Leia aqui.
Fonte: Observatório do Clima