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Fonte ouvida com exclusividade afirma que indigenista brasileiro e jornalista britânico documentaram, em imagens, locais de invasões da TI Vale do Javari, o que contrariou criminosos ligado ao tráfico de drogas.
Uma fonte ouvida pela Amazônia Real afirma que o jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista Bruno Araújo Pereira foram vítimas de uma emboscada. Desde sexta-feira (3), essa testemunha faz parte de uma equipe de 13 vigilantes indígenas que circulavam com o jornalista e o indigenista pela região do Vale do Javari, em Atalaia do Norte, no Estado do Amazonas, na fronteira com o Peru. Logo após a notícia do desaparecimento dos dois, no domingo (5), o grupo iniciou as buscas, mas sem sucesso. Os indígenas, segundo a fonte, alertaram sobre os riscos de Bruno e Dom seguirem sozinhos pelo rio Itacoaí.
Dom Phillips, colaborador do jornal inglês The Guardian, e o indigenista Bruno Pereira, que é servidor licenciado da Fundação Nacional do Índio (Funai), foram visitar com a equipe de Vigilância da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) a localidade Lago do Jaburu, que fica a 15 minutos da comunidade de São Rafael. O lago também está nas proximidades da Base de Vigilância da Funai no rio Ituí, uma das quatro existentes na Terra Indígena Vale do Javari, que tem 8,5 milhões de hectares.
Pelo relato, por volta das 4 horas do domingo (5), o indigenista e o jornalista avisaram que iriam conversar com o ribeirinho “Churrasco”, presidente da comunidade São Rafael. Dias antes, eles já haviam cruzado com um outro grupo em uma embarcação de 60HP, considerada incomum para navegar em cursos d’água (furos e igarapés) mais estreitos. Este grupo que cruzou com os indígenas fez questão de mostrar que estava armado e fez intimidações. Alertados e preocupados com a situação, os indígenas chegaram a pedir que Bruno, que já foi chefe da Coordenação Regional Vale do Javari e coordenador geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Funai, não prosseguisse sem segurança. “Aí ele disse: ‘Não, eu vou baixar só, vou baixar cedo, vou pegar eles de surpresa’.”
Segundo o indígena, Bruno e Dom foram recebidos apenas pela mulher de “Churrasco”, que ofereceu a eles “um gole de café e um pão”. Depois, seguiram viagem em um barco da Funai com motor de 40 HP. Nessa comunidade, haveria uma embarcação de 60 HP, fornecida por narcotraficantes para os ribeirinhos. Com um motor dessa potência, seria muito fácil alcançar o barco do jornalista e do indigenista pelo rio. A suspeita, segundo essa fonte, é que “um traficante mandou o 60 (HP do motor) para lá exatamente esperando a vinda do Bruno, porque com certeza existe informante na cidade (de Atalaia do Norte) e tinha a informação de que o Bruno ia chegar na região”.
A partir daí, o grupo que acompanhava Bruno e Dom iniciaram as buscas partindo desde a última aldeia visitada por eles, “batendo todas as beiras, à procura de tudo o que se possa imaginar de pista” até alcancarem as proximidades do porto de Atalaia. “Tínhamos esperança de encontrar eles, da (localidade) Cachoeira para baixo, amarrados, que tivesse alguma pista, algum ‘pisado’ na beira do rio, para a gente ir rastejando. Mas não achamos nada”, afirma a fonte, que acredita que os dois não tenham sobrevivido. “Se foi aquele pessoal, aqueles pescadores daquela região, não é a primeira vez que fizeram isso.”
Nessas buscas, o grupo avistou um possível local onde pode ter ocorrido a emboscada. É que foi encontrada uma área em que foram retirados volumes de barro de uma parte do igapó, como é costume dos ribeirinhos, para “fazer âncora” no meio do rio. Trata-se de um local estreito, perto da localidade Cachoeira.
Segundo esse indígena ouvido pela Amazônia Real, que falou sob a condição de anonimato por temer por sua vida, já que ele próprio também vem recebendo ameaças, há ribeirinhos que trabalham para os criminosos que atuam nessa conflituosa região no entorno da Terra Indígena Vale do Javari, o segundo maior território demarcado do País. “São 4 cabeças, se não me engano, e todos trabalham com narcotraficantes. Eles pescam para alimentar o narcotráfico. São muito perigosos. Eles foram apreendidos com muito tracajá, pirarucu, que tiraram da área indígena.” Na região, atuam também narcotraficantes peruanos e colombianos.
A Equipe de Vigilância
De acordo com o coordenador da Univaja, Paulo Marubo, a Equipe de Vigilância foi criada para denunciar invasores da TI Vale do Javari, principalmente da região dos indígenas isolados. A ideia dessa equipe era poder atuar em parceria com a Funai, órgão que no governo de Jair Bolsonaro foi sucateado, para denunciar os crimes ambientais dentro da TI. “Só que a Funai se recusou a receber essa doação. O que nós pensamos: já que a Funai não quer receber, vamos montar a nossa Equipe de Vigilância não para fazer apreensão, mas fazer marcação dos invasores dentro da TI”, explica Paulo Marubo.
A Equipe de Vigilância era o grupo que acompanhava Dom e Bruno. Tanto a equipe quanto o indigenista e o próprio jornalista registraram em imagens, e com marcações pelo GPS, a geolocalização das áreas invadidas. O acerto era que Bruno levasse esse material para denunciar ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal (PF), na cidade de Tabatinga, na região do Alto Solimões, próximo de Atalaia do Norte. Durante a permanência no Vale do Javari, o grupo se revezava nas madrugadas para garantir a proteção de todos, sempre com pelo menos dois indígenas armados.
O colaborador do jornal The Guardian aproveitou a visita para entrevistar os indígenas da TI Vale do Javari, provavelmente para escrever uma reportagem. A fonte ouviu do jornalista perguntas sobre como os indígenas vivem, o que sentem, por que protegem seus terriitórios. “Era uma coisa muito boa o que ele estava fazendo, mas infelizmente ele caiu numa emboscada. Foi uma fatalidade”, relatou a fonte.
No domingo de madrugada, já com todos de pé, Bruno anunciou que iria seguir sozinho com o jornalista até a comunidade São Rafael, que ele já conhecia, membros da Equipe de Vigilância sugeriram que o grupo fosse dividido, uma vez que seria mais improvável um ataque nessas circunstâncias. Mas novamente foram demovidos pelo indigenista: “Acho que eles não vão nos atacar”.
Como adiantou a Amazônia Real, dois homens identificados como “Churrasco”, presidente da Associação da Comunidade São Rafael, e mais um outro chamado de “Janeo”, foram detidos para prestar depoimentos pela Polícia Civil, que os liberou ainda na noite de segunda-feira (6). Até o momento não é confirmado que o motor de 60 HP tenha sido apreendido, conforme relatado pela fonte ouvida pela reportagem. Segundo a Polícia Federal, os dois homens, que são pescadores e ligados a crimes ambientais, foram ouvidos porque tiveram contato com Bruno Pereira e Dom Phillips antes do desaparecimento da dupla. Outras três pessoas identificadas como “Pelado”, “Nei” e “Caboclo” também estariam sendo procuradas para relatar o que sabem.
Pressão internacional
Na segunda-feira (6), quando o governo de Jair Bolsonaro (PL) relutava em iniciar as buscas pelos desaparecidos, só começando a atuar após a pressão da Embaixada da Inglaterra e forte mobilização pelas redes sociais, a esposa de Dom Phillips, a brasileira Alessandra Sampaio escreveu: “Na floresta, cada segundo conta, cada segundo pode ser vida ou morte. Sabemos que, depois que anoitece, se torna muito difícil se mover, quase impossível encontrar pessoas desaparecidas. Uma manhã perdida é um dia perdido, um dia perdido é uma noite perdida”.
A irmã do jornalista, Sian Phillips, gravou um vídeo emocionado em que lembra que Dom era apaixonado pelo Brasil e preocupado com o futuro da Amazônia. “Ele é um talentoso jornalista e estava pesquisando para um livro, quando ele desapareceu ontem (5). Estamos muito preocupados com ele e pedimos urgência às autoridades. Tempo é crucial”, afirmou.
Na manhã desta terça-feira (7), Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, a família do indigenista Bruno Pereira enviou uma nota à imprensa que fala da angústia da espera de mais de 48 horas, sem notícias. “Apelamos às autoridades locais, estaduais e nacionais que dêem prioridade e urgência na busca pelos desaparecidos”, afirmaram Beatriz de Almeida Matos, companheira dele, e os irmãos Max e Felipe. “É fundamental que buscas especializadas sejam realizadas, por via aérea, fluvial e por terra com todos os recursos humanos e materiais que a situação exige. A segurança dos indígenas e equipes de busca também precisa ser garantida.”
O sertanista Sydney Possuelo disse à Amazônia Real que, para ele, “a circunstância toda, para mim, eles foram mortos”. “Eu estou me preparando para a pior notícia, eu não desejo isso, mas as informações, a situação e a vivência que eu tive, tudo me leva a deduzir que a notícia, lamentavelmente, é a pior possível. É resultado da política dos Bolsonaros, favorecendo essas coisas, mais violências, mais violências”, afirmou.
O governo federal não disponibilizou na segunda-feira nenhum helicóptero para poder ajudar no trabalho de buscas. O aparelho só começou a sobrevoar a área nesta terça-feira, segundo a PF. Em nota, o órgão informou que desde o dia 6, com apoio da Marinha, realizou “incursões na calha do rio Itacoaí” em embarcação, no trecho entre a frente de proteção Ituí-Itacoaí e o município de Atalaia do Norte.
Diante da repercussão internacional do caso, a Marinha do Brasil informou na segunda-feira que sete militares, “com auxílio de uma lancha, atuam nas atividades de busca”, e que o helicóptero do 1º Esquadrão de Emprego Geral do Noroeste entraria em operação nesta terça-feira, junto de “duas embarcações uma moto aquática”. Em nota, o Comando Militar da Amazônia, do Exército, afirmou que estava em condições de cumprir “missão humanitária de busca e salvamento”, mas que “as ações serão iniciadas mediante acionamento por parte do Escalão Superior”. O presidente Bolsonaro participará, nos próximos dias, da Cúpula das Américas, e o caso pode acabar se tornando pauta no encontro com o presidente norte-americano, o democrata Joe Biden.
A mobilização prossegue, incluindo a imprensa mundial e também entidades ambientalistas. O Greenpeace lembrou que esse desaparecimento do indigenista e do jornalista britânico “se deu em meio ao aprofundamento da política anti-indigenista promovida pelo atual governo” e que o afrouxamento de normas, a retaliação a servidores de agências ambientais, a paralisação dos processos de multas e o estrangulamento orçamentário de órgãos como a Funai e o ICMBio, contribuem para esse estado beligerante na região Norte. “Sem o menor constrangimento, o Brasil de Bolsonaro dá licença política e moral para que atividades predatórias se reproduzam à luz do dia, especialmente na Amazônia”, acrescentou.
Por: Elaíze Farias e Eduardo Nunomura
Fonte: Amazônia Real