Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) cobra retirada de dragas; atividade ilegal ameaça turismo sustentável e principal reduto de tucunarés gigantes da Amazônia
O vídeo de uma draga de garimpo de ouro entrando ilegalmente em território indígena na região do Rio Negro, no Amazonas, foi postado nas redes sociais pelo diretor-presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), Marivelton Barroso, do povo Baré, em 17 de setembro. Passados 11 dias e após a federação encaminhar a denúncia a órgãos públicos, o problema persiste.
Na quarta-feira (28/09), Marivelton Baré voltou a utilizar as redes sociais para exigir que os órgãos públicos reajam às denúncias feitas. “A gente vem a público pedir que as instituições e órgãos de controle do Estado brasileiro possam reagir às nossas denúncias e pedido de desintrusão das dragas de garimpo que estão hoje nas Terras Indígenas Médio Rio Negro I e Médio Rio Negro II. Sobretudo na localização do Rio Marié, onde estão plenamente em operação”, narrou.
Segundo a Foirn, há pelo menos três dragas de garimpo na região. Além de expor a riscos a população indígena, a ação ilegal prejudica as atividades de turismo sustentável de pesca esportiva que ocorrem no Rio Marié.
“A gente não quer que o território do Rio Negro fique como outras áreas que não fizeram nada e [logo] a ilegalidade tomou conta”, completou. A Foirn encaminhou um ofício em 23 de setembro com pedido de providências a órgãos como Ministério Público Federal (MPF), Fundação Nacional do Índio (Funai) e Exército. No dia 29, voltou a pedir novas providências ao MPF.
Em julho, Marivelton Baré e o vice-presidente da Foirn, Nildo Fontes, do povo Tukano, entraram com pedido para integrar ação popular contra o que denominam de “loteamento do Rio Negro” para fins minerários.
No vídeo divulgado nesta semana, o diretor-presidente da Foirn informa que uma operação envolvendo órgãos públicos chegou a fazer a abordagem da draga de garimpo ilegal, mas a embarcação e seus responsáveis foram liberados. Eles teriam mostrado licença para estudo de viabilidade de extração de ouro.
Entretanto, não houve qualquer consulta aos povos indígenas sobre essa ação. “Mas que licença de autorização é essa que viola nossos direitos, que não respeita nossos princípios, que nós não somos consultados?”, questionou Marivelton Baré.
De acordo com a Constituição Federal, a exploração de recursos minerais só pode ser realizada em Terra Indígena com prévia autorização do Congresso Nacional e mediante consulta às comunidades afetadas.
Turismo sustentável
Na região onde a Foirn aponta que as dragas estão atuando, no Rio Marié, está em pleno desenvolvimento o projeto de turismo de pesca esportiva e de base sustentável que vem sendo executado após processo de consulta aos indígenas que vivem em comunidades da região de Santa Isabel do Rio Negro.
O Marié é o principal reduto de tucunarés gigantes na Amazônia. O rio está inteiramente localizado dentro de um extenso território indígena, uma área com cerca de 2 milhões de hectares. Com mais de 800 quilômetros de rio, 180 igarapés e 60 lagos mapeados, esse importante afluente do rio Negro é uma área altamente preservada e, por isso, com condições para os peixes gigantes crescerem.
Diretor da Associação das Comunidades Indígenas do Baixo Rio Negro (Acibrn), Gelvani da Costa Silva, do povo Baniwa, reforça que os impactos ambientais causados pelas dragas podem inviabilizar a atividade do turismo sustentável que vem gerando renda para a famílias indígenas.
A concepção do projeto turístico garante o diálogo entre os modos de vida das comunidades, respeitando sua autonomia e investindo em relações inovadoras entre empresas e comunidades.
Aumento de denúncias
O aumento da pressão do garimpo ilegal sobre as terras indígenas do Rio Negro está colocando a população em risco e levando ao crescimento de denúncias. Em uma das situações denunciadas à Foirn, em 2021, indígenas relataram ameaças por pessoas estranhas que pretendiam exercer atividade mineral na região. Há denúncias de dragas nos rios Cauburis, Inambu, Arichana, Aiari, entre outros.
Levantamento realizado pelo Instituto Socioambiental (ISA) mostra que há cerca de 77 requerimentos minerários ativos para pesquisa e lavra nas áreas que compreendem as terras indígenas Jurubaxi-Téa, Rio Téa, Yanomami, Médio Rio Negro I, Médio Rio Negro II e Cué-Cué Marabitanas.
Somente nas TIs Médio Rio Negro I e Médio Rio Negro II, são 20 requerimentos ativos. Referentes a ouro são 60 e os outros 17 a estanho, cassiterita, nióbio, cascalho e areia.
A Agência Nacional de Mineração (ANM) vem liberando requerimentos minerários em áreas de leito do Rio Negro dentro de Terra Indígena sob o argumento que, durante o processo de demarcação, na década de 1990, o leito do rio ficou de fora da área demarcada levando em conta a necessidade de garantir a sua navegabilidade.
Em petição protocolada em 8 de julho, na 1ª Vara Federal Cível, no Amazonas, as lideranças indígenas Marilvelton Baré e Nildo Fontes pedem que o leito do Rio Negro — em trechos que está inserido no Território Indígena e nos modos de vida dos povos que vivem na região — passe a contar com proteção constitucional. A ação também pede a anulação dos requerimentos minerários liberados pela ANM.
“Nós lutamos para demarcar esse território exatamente para podermos preservar e trabalhar nossas atividades produtivas. Brigamos muito para manter ele de forma preservada. Não foi favor de governo nenhum, foi a luta de lideranças que nos antecederam. E a gente não quer que esses intrusos fiquem dentro do nosso território. Então a gente fala: ‘fora garimpo, fora mineração e fora também esse desgoverno’, que não está atuando de forma alguma para coibir e barrar a entrada dessas atividades ilegais e ilícitas no território”, finaliza Marivelton Baré.
Por: Ana Amélia Hamdan
Fonte: ISA