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Infratores ambientais na Amazônia Legal financiaram mais de 30 políticos eleitos em 14 estados. Dados revelam retribuições políticas e discurso de sustentabilidade distante da realidade
O deputado estadual Ondanir Bortolini (PSD-MT), o “Nininho”, é um dos nomes mais atuantes da política mato-grossense. Ele também foi o candidato eleito em 2022 que mais recebeu doações de infratores ambientais em toda a Amazônia Legal.
Nininho é um exemplo da tendência estadual. Um terço dos políticos financiados por infratores se concentra em Mato Grosso, bem como as multas ambientais dos apoiadores. Ao todo, as doações somadas chegam aos R$ 2,3 milhões; já as multas representam mais de R$ 31 milhões.
No caso de Nininho foram R$ 580 mil arrecadados de doadores com multas no Ibama desde 2018, ano da última eleição geral. No ranking completo de financiamento por infratores ambientais, Nininho só perde para a arrecadação milionária do presidente Jair Bolsonaro, que ainda disputa a permanência no cargo e entre o primeiro turno e o segundo recebeu R$ 65 milhões de pessoas físicas.
O uso de emendas parlamentares para manter o poder político é uma das práticas de Nininho. Em suas redes sociais, ele faz questão de lembrar que, com suas articulações, leva recursos estaduais e federais para cerca de 80 municípios.
São verbas destinadas à pavimentação de estradas, compra de veículos, aquisição de maquinário agrícola e até construção de pontes.
Mas a sua atuação parlamentar vai muito além dos repasses; Nininho, como é conhecido, também vota a favor da liberação de pecuária extensiva em áreas de preservação permanente enquanto diz que “está na hora de darmos um basta nessa farsa, nesses ecologistas que ficam se escondendo atrás das entidades”.
Sua ficha no legislativo estadual revela dezenas de moções de aplausos, louvor e congratulações a pessoas e entidades – várias ligadas ao agronegócio –, além de pareceres favoráveis em matéria de regularização fundiária.
O deputado mato-grossense não está sozinho nessa: outros 17 colegas eleitos nas Assembleias Legislativas da Amazônia Legal também receberam doações eleitorais de infratores ambientais. Oito deles só no Mato Grosso.
Em todo o Brasil, ao menos 36 candidatos vencedores em 14 estados tiveram campanhas financiadas por pessoas multadas no Ibama desde 2018. Há deputados estaduais e federais, um senador e um governador na jogada — como o Antonio Denarium do Partido Progressista de Roraima, reeleito com 163.167 dos votos. O governador de Roraima que além de defender a mineração, recebeu cem mil reais de doações de infratores ligados ao uso indevido de agrotóxicos.
O desmatamento, geralmente para pecuária, é o principal crime ambiental dos financiadores de políticos. Pelo menos 18 dos 29 infratores têm multas por infrações contra a flora, que compreende atividades ligadas ao desmatamento.
Levantamentos do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e do o((eco)) mostram que a conversão de florestas em pastagens é a principal causa da destruição da Amazônia no Brasil.
Candidato do faroeste
Nas eleições deste ano, Nininho se elegeu para um quarto mandato com 50 mil votos. Seu maior financiador é o pecuarista Celso Gomes dos Santos, de quem recebeu uma bolada de R$ 400 mil – valor que representa mais de um terço do total arrecadado pela campanha do candidato. Conforme os registros do Ibama, o empresário foi multado em R$ 226 mil por fazer queimadas sem autorização ambiental em Nova Monte Verde, no Mato Grosso, e pelo armazenamento de agrotóxicos “em desacordo com as exigências legais”.
O fazendeiro também foi um grande doador da campanha de Bolsonaro, destinando meio milhão ao presidente. Ele é o único financiador de políticos eleitos cujos gastos em doações superam os valores das multas no Ibama.
Na sequência da lista de doadores, outro nome chama a atenção: Nelson José Vigolo, presidente do Grupo Bom Jesus, que produz algodão, soja, milho e sementes, além de atuar nas atividades de pecuária, suinocultura e varejo de combustíveis em 10 estados brasileiros. A área plantada ultrapassa os 300 mil hectares – equivalente ao tamanho da capital mato-grossense.
O grupo em 2020 estava com fazendas em recuperação judicial, mas em 2022 parece ter dado a volta por cima e seus donos foram grandes doadores para políticos como Nininho.
Vigolo doou para 12 candidatos, sendo que 10 destes foram eleitos. Ao todo, despejou R$ 315 mil em campanhas vencedoras. Assim como seu irmão e sócio Geraldo Vigolo, Nelson transferiu R$ 50 mil para a campanha de Nininho. Na metade de outubro, ainda fez outra generosa doação de R$ 250 mil para o diretório nacional do Republicanos.
Ele é o 4º no ranking de multas ambientais entre doadores de candidatos eleitos. Sua infração soma R$ 1,8 milhão por “destruir 376,62 hectares da floresta amazônica nativa, objeto de especial preservação” em Gaúcha do Norte, segundo o órgão ambiental. Em 2019, o Ibama embargou a área em questão, conhecida como Fazenda Araguari VI. Em 2014, um imóvel no mesmo local tinha entrado no Cadastro Ambiental Rural (CAR), mas depois o registro foi cancelado por decisão administrativa.
O fazendeiro ganhou holofotes em 2020 por ter sido um dos denunciados na Operação Faroeste, que investigou um esquema de vendas de sentenças relacionadas à grilagem de terras no oeste da Bahia. De acordo com o inquérito do Ministério Público Federal, a desembargadora Sandra Inês Rusciolelli, do Tribunal de Justiça da Bahia, aceitou o pagamento de R$ 4 milhões – e recebeu efetivamente R$ 2,4 milhões – para garantir decisões favoráveis à empresa Bom Jesus, representada por Vigolo. Pelo menos nove pessoas foram presas preventivamente, com exceção do cotonicultor e de um advogado que teria feito o meio de campo com a juíza. O caso ainda tramita no Supremo Tribunal de Justiça.
Em 2015, o grupo empresarial Bom Jesus também foi multado no Ibama em R$ 8 milhões por desmatamento no município baiano de Formosa do Rio Preto, numa área aproximada de 30 mil hectares – quase do tamanho de Fortaleza, no Ceará.
Facilitador de posse de terras
Em solo mato-grossense, a certificação da posse de propriedades rurais funciona de uma maneira singular. As ocupações irregulares no estado têm um aliado importante: o deputado Nininho, presidente da Comissão de Agropecuária, Desenvolvimento Florestal e Agrário e de Regularização Fundiária. A comissão de alcunha comprida exerce o papel de emitir pareceres sobre a alienação ou concessão de terras públicas, papel atribuído ao legislativo pelo artigo 327 da Constituição do Mato Grosso.
Esse dispositivo legal virou motivo de uma ação de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal movida pelo governo de Mauro Mendes (União), que reclama ao Executivo estadual a prerrogativa para decidir sobre assuntos de regularização fundiária. Por enquanto, o assunto segue sem definição.
Nelson José Vigolo foi um dos agraciados com um relatório favorável da comissão em 6 de julho de 2020. O deputado Nininho atuou como relator do caso e concedeu a regularização da Fazenda Bom Jesus, de 1.469 hectares, no município de Pedra Preta. Dois anos depois, Vigolo pingou o dinheiro na conta da campanha.
A boa vontade de Ondanir Bortolini com infratores ambientais não é por acaso: em 2007, ele também recebeu cinco multas do Ibama no valor total de R$ 1,3 milhão. As infrações foram aplicadas por desmatamento e queimadas no município de Novo Progresso, no Pará. O local ainda guarda marcas dos clarões na floresta. Na época, Nininho já exercia o cargo de prefeito de Itiquira, em Mato Grosso.
Deputados e o senador do algodão
Nelson Vigolo não foi o único infrator ambiental que teve múltiplas previsões acertadas sobre os candidatos eleitos. Junto com ele, os também produtores de algodão Mauro Schaedler (R$ 1,5 milhão em multas por desmatamento) e José Benedito do Vale (autuado em R$ 7 mil por dirigir com diesel adulterado) apostaram praticamente nos mesmos candidatos vencedores: o senador Wellington Fagundes (PL-MT); os deputados federais Evair Vieira de Mello (PP-ES), Domingos Sávio (PL-MG) e Covatti Filho (PP-RS); e os deputados estaduais Eduardo Botelho (União-MT), Max Joel Russi (PSB-MT), Janaína Riva (MDB-MT) e Cassio Soares (PSD-MG). Os valores de cada doação oscilaram entre R$ 20 mil e R$ 30 mil.
Os candidatos eleitos para o Congresso Nacional com financiamento desse trio de infratores ambientais já integram a bancada ruralista. Os três deputados federais votam em projetos majoritariamente contra o meio ambiente, como mostra a ferramenta Ruralômetro da Repórter Brasil.
As únicas doações não compartilhadas entre esse consórcio informal de cotonicultores são os R$ 50 mil transferidos por Vigolo a Nininho e outra quantia idêntica do mesmo doador ao deputado federal Cezinha de Madureira (PSD-SP).
Pecuária ilegal impacta o Xingu
Mauro Schaedler é dono da empresa Três Coqueiros. De acordo com o site antigo que está fora do ar, a companhia foi fundada em 1986 e mantém lavouras de soja, milho e algodão, além de utilizar áreas marginais para exercer a pecuária sustentável.
Curiosamente, foi justamente numa propriedade chamada Fazenda Três Coqueiros III, em Gaúcha do Norte, que o produtor rural recebeu uma multa de R$ 1,5 milhão do Ibama em 2020. O órgão ambiental apontou que Schaedler exerceu atividades potencialmente poluidoras, e agropecuária sem licença ambiental.
A propriedade fica colada nos limites da terra indígena Pequizal do Naruvôtu, no Xingu, mas as coordenadas da multa indicam um ponto dentro do próprio território indígena. O Naruvôtu é um povo que quase foi exterminado por completo durante o contato com as empresas que “colonizaram” a região com apoio da Ditadura Militar entre 1960 e 1970. O grupo acabou migrando e se refugiando dentro do Parque Indígena do Xingu.
Schaedler é um membro ativo das discussões dos ruralistas. Via legislativo estadual mato-grossense, pede a construção de pontes para o escoamento da safra. Também participa do Conselho de Desenvolvimento Agrícola Empresarial (Cdae) e das ações do Sindicato Rural de Gaúcha do Norte.
Pressão política e desmonte ambiental
A combinação entre inimigos da floresta para patrocinar e eleger candidatos simpáticos às suas causas é uma tendência que cresce na região. “A Amazônia mudou muito nos últimos anos. Vemos uma maior organização desses infratores em torno de associações e cooperativas. Começaram a eleger muitas pessoas”, aponta o analista ambiental Hugo Loss, diretor da Associação Nacional dos Servidores Ambientais (Ascema).
A fiscalização cumpre um papel fundamental para rastrear as conexões com desmatadores e outros infratores ambientais: “A materialidade do crime é constatada a partir das imagens de satélite. Já o trabalho de fiscalização é muito mais o de constatar a autoria daquela infração. É um trabalho de investigação, com entrevistas, gravações, contratos e registros até chegar ao responsável”, explica Loss.
Porém, os servidores dos órgãos de controle e monitoramento ambiental sofreram repetidas retaliações durante o governo Bolsonaro e, atualmente, a base de consulta pública de embargos do Ibama passa por falhas de atualização que dificultam o próprio trabalho dos fiscais.
Para além da esfera federal, as casas legislativas estaduais e municipais, com menos holofotes, elegem facilmente nomes que ajudam a passar a boiada de forma silenciosa.
“As assembleias legislativas na Amazônia precisam de mais acompanhamento e pressão para facilitar a transparência. Inclusive em questão de segurança também, dependendo do estado”, aponta Brenda Brito, pesquisadora do Imazon.
O movimento contrário de certa forma também acontece – ou seja, candidatos a favor do meio ambiente que se elegem nas casas legislativas com ajuda de organizações da sociedade civil. “O problema é que são poucos os candidatos ambientalistas eleitos em comparação com a base ruralista. Por isso, é importante que as pessoas defensoras da causa ambiental passem a apoiar candidatos com essa pauta forte”, avalia Brito.
As eleições no primeiro turno já deram o recado de que o agro antifloresta vem com força no Legislativo. Agora os defensores da Amazônia aguardam apreensivos os desfechos no segundo turno para conhecer os rumos do poder Executivo.
A reportagem de o((eco)) tentou contato com os políticos eleitos citados na matéria, mas nenhum respondeu até o fechamento. O espaço segue aberto.
Metodologia do levantamento
Os dados são de um levantamento de ((o))eco feito a partir das prestações de contas eleitorais registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e os autos de infração aplicados nos últimos cinco anos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
O cruzamento foi atualizado pela última vez em 30 de setembro. Numa reportagem anterior, mostramos quem são os candidatos multados recentemente pelo órgão ambiental.
Por: Juan Ortiz e Valentina Bressan
Fonte: O Eco