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Hydro, de Barcarena (PA), também é processada na Europa
Comunidades quilombolas e ribeirinhas recorrem à Corte holandesa em busca de reparações e criticam a morosidade e a falta de atenção da Justiça brasileira aos crimes ambientais cometidos pela mineradora norueguesa em Barcarena (PA). Na imagem, Maria do Socorro e o advogado Ismael Moraes em frente à corte de Roterdã (Acervo pessoal)

“Foi o jeito que a gente encontrou de fazer o resto do mundo olhar para as desgraças que acontecem nos nossos territórios”, explica a líder quilombola Maria do Socorro Costa da Silva, mais conhecida como “Socorro do Burajuba”. Ela, que carrega consigo o nome da comunidade São Sebastião do Burajuba, uma das cinco comunidades quilombolas atingidas pelos crimes socioambientais da empresa Hydro Alunorte, em Barcarena, no nordeste paraense, esteve na Holanda, em junho, para protocolar uma ação civil coletiva na corte holandesa contra o grupo minerador e transnacional norueguês Norsk Hydro. A ação é movida pela Associação dos Caboclos Indígenas e Quilombolas de Barcarena (Cainquiama), da qual Maria do Socorro é presidente.

“A gente espera que pelo menos eles consigam julgar a Hydro lá [na Holanda], já que aqui nada foi pra frente. Enquanto isso o povo continua sofrendo, morrendo contaminado, sem que ninguém venha aqui ajudar”, reclama Socorro, lembrando o caso do marido que morreu em novembro do ano passado. Raimundo Amorim Barros chegou a ter amostras de cabelo analisadas, que atestaram níveis elevados de contaminantes em seu organismo, alguns dos quais coincidem com os encontrados nos rejeitos da mineradora.

A ação protocolada na Europa pela Cainquiama reúne parte das numerosas denúncias que já tramitam na Justiça brasileira contra a maior produtora de alumina do mundo, mas que ainda se encontram sem respostas dos tribunais. A ação aponta como réus as seguintes empresas do grupo: Norsk Hydro ASA (Controladora, com sede em Oslo, Noruega), Norsk Hydro Holland, Hydro Aluminium Netherlands, Hydro Aluminium Brasil Investment, Hydro Alunorte, Hydro Albras e Hydro Paragominas.

Também consta como ré a empresa estatal Norwegian Government’s Pension Fund – The Folketrygdfondet, que controla o fundo de pensão norueguês, acionista do Grupo Norsk Hydro. O governo norueguês detém cerca de 34% das ações do grupo por meio da empresa estatal. A corte holandesa deve decidir nos próximos dois meses se aceitará as denúncias feitas à Corte de Roterdã e se irá julgar os crimes socioambientais dos quais a Hydro é acusada.

Por possuir empresas no país, de acordo com a legislação europeia, a Hydro poderá ser julgada e até condenada no tribunal holandês. O advogado socioambiental Ismael Moraes, que representa a Cainquiama junto do escritório PGMBM na ação indenizatória protocolada na Holanda, explica que a estratégia de processar internacionalmente a Hydro está baseada em outras experiências, como as dos crimes ambientais das mineradoras BHP e Vale nas cidade de Mariana, em Minas Gerais.

O PGMBM, inclusive, foi quem levou as reivindicações dos atingidos pelos desastres socioambientais ocorridos na cidade mineira em 2015 à corte inglesa. “A Norsk Hydro e suas afiliadas precisam ser responsabilizadas. A devastação ambiental e os danos à saúde da população que as empresas na região de Barcarena seguem impactando as vidas de milhares de pessoas”, afirma Tom Goodhead, sócio administrador do PGMBM.

Moraes explica as diferenças entre as ações judiciais que tramitam no Brasil e esta da corte de Roterdã: “Na Holanda a reivindicação é por reparação financeira aos impactados pelos crimes cometidos pela Hydro em Barcarena, na esperança de que a corte aprecie com celeridade o caso. No caso das ações brasileiras, estamos questionando todo o processo produtivo da Hydro, desde a captura mineral até a deposição dos rejeitos no DRS1 e DRS2” (abreviação de Depósito de Resíduos Sólidos).  

Subsídios à mineradora

Hydro processada
Instalações da Companhia de Alumina do Pará (CAP) do Grupo Norsk Hydro. A obra chegou a ser paralisada em 2012 (Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)

A Cainquiama também acusa a Hydro de ter construído suas bacias nas áreas de proteção ambiental previstas no projeto original da planta industrial da Alunorte, que data da década de 1990. A associação defende junto à Justiça brasileira que a Hydro não cumpriu o prazo do compromisso de mudar as matrizes energéticas de suas operações – que utilizam óleo combustível e carvão mineral atualmente – para uma alternativa sustentável, acordo que garante os subsídios fiscais concedidos à mineradora pelo governo do Brasil.

A pedido da Cainquiama, o Instituto Evandro Chagas realizou em 2018 um relatório técnico-científico sobre toda a cadeia produtiva da Hydro-Alunorte, no qual apontou os riscos de contaminação para as comunidades que vivem circunvizinhas à planta industrial na cidade. 

No estudo, foi analisada inclusive a composição da bauxita extraída pela Hydro na cidade de Paragominas, também no Pará, na qual estão presentes elementos contaminantes e perigosos à saúde humana e ambiental como chumbo, arsênio, cádmio, cromo, níquel, manganês, e até elementos radioativos como o urânio e o tório. O quadro fica ainda mais grave após o “choque” de soda cáustica sofrido pelo minério, já durante seu processamento, para a extração da alumina. O rejeito deste processamento é depositado em suas bacias.  

Joseane Ferreira Carvalho, uma das diretoras da Canquiama, afirma que as comunidades estão há anos clamando por justiça e que “algumas pessoas já morreram com doenças que ninguém sabe explicar”. 

“Não adianta tomar remédio porque a gente não sabe nem que doença a gente está tratando. Não temos água de qualidade, a água de Barcarena é envenenada com metais pesados. Eu mesma vivo doente e até câncer eu já tive”, afirma Joseane, que conta ter se mudado recentemente para tentar ficar mais longe da planta industrial da Hydro. Os “metais pesados” citados  por ela, de fato, são uma das maiores preocupações nos achados científicos em Barcarena, por serem agentes provocadores de câncer e outras enfermidades, além de adoecer também o meio ambiente e os animais que servem de alimento à população.

Socorro do Burajuba afirma que uma das coisas que “desespera” as comunidades é a demora da Justiça em julgar a mineradora. “Todos esses anos da gente doente, fazendo denúncias para o Ministério Público Federal e estadual e nada ainda foi feito. Até quando a gente vai aguentar isso?”, questiona.

“Por que tanta dor de estômago, perda de dentes, perda de cabelo, tumores que surgem do nada? Há algo de errado. Espero que a empresa seja condenada a pagar por todos os danos que cometeu. Que ela reconheça. O juiz sabe que eles não podem fazer esse crime”, enfatiza Socorro.

Procurada pela reportagem da Amazônia Real, a Hydro informou que solicitou à Justiça holandesa que suspendesse a questão até que “uma decisão final seja alcançada nos casos brasileiros”. Em nota, a empresa se justifica: “O caso na Holanda trata de alegações feitas no Brasil, que já estão sendo discutidas nos tribunais brasileiros. Este processo contra acionistas indiretos é apenas uma repetição dos processos que têm por objeto os mesmos fatos e alegações contra empresas brasileiras.”

A Hydro também afirma operar com todas as licenças ambientais exigidas pelo governo brasileiro e diz possuir certificações internacionais de gestão de sua cadeia produtiva de alumínio. Perguntada sobre as acusações de ser responsável por promover contaminações em Barcarena, a Hydro responde que as alegações são falsas e que as operações da Alunorte, Albras e Mineração Paragominas no Pará “seguem rigorosamente todos os parâmetros estabelecidos na legislação brasileira” e que o grupo “estabelece rígidos padrões de controle, monitoramento e prevenção e suas operações de bauxita e alumina”.

A respeito da matriz energética utilizada em suas operações e a necessidade de substituí-las por alternativas de menor impacto ao meio ambiente, a Hydro informou que trabalha na inclusão de outros combustíveis e pretende tornar neutras suas emissões de carbono até 2050.

A Hydro na Amazônia

Hydro processada
Maria do Socorro com o advogado Ismael Moraes e a equipe de advogados que defendem a Cainquiama na ação protocolada na corte holandesa em frente à corte de Roterdã (Acervo pessoal)

O monopólio da produção de um dos mais conhecidos e importantes metais para a sociedade contemporânea chama atenção por estar localizado na Amazônia, atingindo direta ou indiretamente diversos municípios, além dos locais onde sua operação de fato ocorre, Barcarena e Paragominas. 

A companhia possui ainda um mineroduto com cerca de 250 quilômetros de extensão.  Ele é responsável por transportar bauxita liquefeita, ou seja, misturada a um líquido que ajuda no transporte do mineral, e atravessa dezenas de comunidades tradicionais, principalmente quilombolas, ao longo de cerca de 20 municípios paraenses.

Segundo denúncias recebidas pela Amazônia Real, o extenso mineroduto já causou o assoreamento de rios, a supressão de áreas tradicionais quilombolas, alterações nos modos de vida das populações e vazamentos que preocupam as comunidades, como é o caso das comunidades quilombolas de Jambuaçu, no município de Moju, também no nordeste paraense. 

Atualmente, o mineroduto está passando por substituições e, por conta de várias violações e possíveis contaminações ambientais, incluindo o rio Jambuaçu, as comunidades do território quilombola conseguiram a paralisação das obras junto ao MPF. 

O grupo norueguês detém a maior parte da cadeia produtiva do alumínio na Amazônia, contando com uma mina de bauxita em Paragominas e sendo o principal cliente da Mineradora Rio do Norte (MRN), localizada em Oriximiná, responsável pela lavra de bauxita na região do Tapajós – e da qual a Norsk Hydro também é acionária. 

Albrás e Alunorte, fundadas em 1985 e 1996 pela então estatal Companhia Vale do Rio Doce – que, depois de privatizada, vendeu suas ações para o grupo Hydro – , atuam na cidade de Barcarena em regime de interdependência. A Alunorte é responsável por refinar a bauxita e extrair as moléculas de alumínio do minério, deixando-o na forma de alumina, matéria-prima do alumínio. 

Este composto finíssimo e branco produzido em larga escala pela Alunorte, fazendo dela a maior do mundo nesta atividade, é destinado, em parte, à exportação e à indústria-irmã, a Albrás (outra gigante mundial do setor mineral), que o transforma em alumínio a ser vendido em forma de lingotes ou tarugos para o mercado nacional e internacional.

A questão que pesa contra o grupo norueguês é que toda essa atividade industrial diuturna e ininterrupta, que já ocorre há mais de 40 anos, considerando o tempo em que as empresas pertenciam a outros acionistas, acontece próxima a cinco comunidades quilombolas e pelo menos outras 30 comunidades ribeirinhas da região. 

Suas bacias de rejeitos químicos também estão instaladas a poucos metros dessas comunidades e, segundo denúncias da Cainquiama, estão em áreas que deveriam ser destinadas à reserva ambiental ou a zonas de amortecimento.

Crimes ambientais

Depósito de resíduos da Hydro, agora processada na Europa
Foto de 2018 da bacia de resíduos sólidos da Hydro Alunorte, em Barcarena. (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)

São muitas as denúncias que pesam contra o grupo Norsk Hydro na Amazônia, sobretudo em Barcarena, por conta dos prejuízos causados por suas plantas industriais e suas gigantescas bacias de rejeitos chamadas de DRS 1 e DRS2. 

As acusações vão desde vazamentos e despejos irregulares de lama vermelha (rejeito do processamento da bauxita) em direção aos rios da região e aos igarapés que banham as comunidades tradicionais do município até a contaminação atmosférica causada pela queima de combustíveis fósseis nas caldeiras das indústrias e pelo acúmulo de poeira tóxica (lama vermelha ressacada) nas bacias de rejeitos da indústria. 

A poeira chega até as casas das famílias, a maioria de populações tradicionais que vivem nas imediações das fábricas. As comunidades se queixam de coceiras,  dores de cabeça e problemas respiratórios. Em fevereiro de 2018, a maior de suas bacias, o DRS1, transbordou e levou rejeitos tóxicos para os rios e igarapés que cercam a indústria.

Amazônia Real acompanha desde 2018 as denúncias e os desdobramentos do último crime ambiental atribuído à Hydro em Barcarena, o transbordamento do DRS1, em fevereiro daquele ano. 

A mineradora nega que sua bacia de rejeitos transbordou. Na época, ao longo das investigações realizadas pelo Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) e pelo Ministério Público Federal (MPF), também foram descobertos dutos clandestinos de escoamento de rejeitos não-tratados em direção ao meio ambiente. 

Proibida para consumo

Protesto, em 2019, contra a empresa Hydro Alunorte
Maria do Socorro Marques do Carmo faz proposta, em 2019, na porta de mineradora (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)

Em março de 2018, o Institut Evandro Chagas (IEC), vinculado ao Ministério da Saúde, produziu um relatório, sob demanda do MPPA, informando que havia encontrado substâncias tóxicas nos rios e igarapés que circundam a planta industrial da Hydro Alunorte e que suas águas “não poderiam ser utilizadas para recreação, pesca ou consumo humano”. 

Os pesquisadores apontaram no documento que as substâncias encontradas coincidiam com os elementos químicos resultantes do processamento de bauxita, acumulados na forma de lama vermelha, e depositados nos DRS1 e DRS2. No mesmo relatório, o IEC também condenou o despejo de cinzas das caldeiras da indústria nas suas bacias de rejeitos, por ser um material altamente perigoso ao meio ambiente e à saúde humana. 

Foi tamanha a insatisfação do grupo norueguês com os dados apresentados, que a Hyro chegou a processar o pesquisador Marcelo de Oliveira Lima, que coordenou os estudos, por injúria e difamação. A ação foi rejeitada pela Justiça.

A Hydro foi autuada pelo Ibama em 20 milhões de reais, chegou a ter sua operação embargada, ameaçou dispensar funcionários e conseguindo assim suspender o embargo. A empresa assinou um Termo de Ajustamento de Condutas no qual se comprometeu a realizar mudanças em suas estruturas, criar um plano de emergência e distribuir, via ticket alimentação, 600 reais para as pessoas atingidas pelo mesmo transbordamento que a indústria afirma não ter acontecido.

Até hoje, dezenas de famílias se queixam de nunca terem recebido a parcela do auxílio prometido pela empresa e acordado no documento. A Hydro alega que precisou suspender o cadastramento das famílias por conta da pandemia, cujo primeiro caso só foi registrado oficialmente no Brasil em março de 2020.

Exames de cabelo realizados pelo Laboratório de Química Analítica e Ambiental da Universidade Federal do Pará (Laquanam/UFPA) e de sangue realizados pelo Laboratório Central do Pará (Lacen-PA), cujos resultados foram entregues em 2018, demonstraram níveis alarmantes de contaminantes nos materiais biológicos da população analisada. Entre os contaminantes químicos estão o chumbo, o cromo e o alumínio – todos igualmente presentes nos rejeitos da Hydro Alunorte, segundo estudos do IEC e do Laquanam. 

Ouvida pela Amazônia Real no final de novembro do ano passado, a pesquisadora doutora Simone Pereira, que coordena o Laquanam, chegou a afirmar que Barcarena é um lugar “extremamente perigoso para bichos, para plantas e para pessoas”. Para ela, as pessoas estão expostas a contaminantes em níveis inescapáveis no município: “Você pode tomar a água mineral, comprar comida produzida em outros locais, mas não pode deixar de respirar o ar contaminado dali. Todas as pessoas que vivem em Barcarena estão sujeitas às contaminações da água, do solo e da atmosfera”.

A respeito do episódio de 2018, a Hydro afirma em nota que foram realizadas mais de 90 fiscalizações e auditorias por órgãos públicos, como Ibama, Defesa Civil e secretarias estadual e municipal de meio ambiente. Essas ações comprovariam que não houve transbordamento dos depósitos de resíduos  da Alunorte. “Alegações adicionais permanecem infundadas e não há evidências de contaminação nas comunidades causada pela Alunorte relacionada às chuvas de fevereiro de 2018”, finaliza.
Citada pela Hydro em nota, a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas) desmente a mineradora. Procurada pela reportagem para falar sobre o que ocorreu em 2018, a Semas afirmou que “o evento ocorrido em fevereiro de 2018, envolvendo a empresa Hydro Alunorte, foi caracterizado como transbordamento de bacia”.

“Foi o jeito que a gente encontrou de fazer o resto do mundo olhar para as desgraças que acontecem nos nossos territórios”, explica a líder quilombola Maria do Socorro Costa da Silva, mais conhecida como “Socorro do Burajuba”. Ela, que carrega consigo o nome da comunidade São Sebastião do Burajuba, uma das cinco comunidades quilombolas atingidas pelos crimes socioambientais da empresa Hydro Alunorte, em Barcarena, no nordeste paraense, esteve na Holanda, em junho, para protocolar uma ação civil coletiva na corte holandesa contra o grupo minerador e transnacional norueguês Norsk Hydro. A ação é movida pela Associação dos Caboclos Indígenas e Quilombolas de Barcarena (Cainquiama), da qual Maria do Socorro é presidente.

“A gente espera que pelo menos eles consigam julgar a Hydro lá [na Holanda], já que aqui nada foi pra frente. Enquanto isso o povo continua sofrendo, morrendo contaminado, sem que ninguém venha aqui ajudar”, reclama Socorro, lembrando o caso do marido que morreu em novembro do ano passado. Raimundo Amorim Barros chegou a ter amostras de cabelo analisadas, que atestaram níveis elevados de contaminantes em seu organismo, alguns dos quais coincidem com os encontrados nos rejeitos da mineradora.

A ação protocolada na Europa pela Cainquiama reúne parte das numerosas denúncias que já tramitam na Justiça brasileira contra a maior produtora de alumina do mundo, mas que ainda se encontram sem respostas dos tribunais. A ação aponta como réus as seguintes empresas do grupo: Norsk Hydro ASA (Controladora, com sede em Oslo, Noruega), Norsk Hydro Holland, Hydro Aluminium Netherlands, Hydro Aluminium Brasil Investment, Hydro Alunorte, Hydro Albras e Hydro Paragominas.

Também consta como ré a empresa estatal Norwegian Government’s Pension Fund – The Folketrygdfondet, que controla o fundo de pensão norueguês, acionista do Grupo Norsk Hydro. O governo norueguês detém cerca de 34% das ações do grupo por meio da empresa estatal. A corte holandesa deve decidir nos próximos dois meses se aceitará as denúncias feitas à Corte de Roterdã e se irá julgar os crimes socioambientais dos quais a Hydro é acusada.

Por possuir empresas no país, de acordo com a legislação europeia, a Hydro poderá ser julgada e até condenada no tribunal holandês. O advogado socioambiental Ismael Moraes, que representa a Cainquiama junto do escritório PGMBM na ação indenizatória protocolada na Holanda, explica que a estratégia de processar internacionalmente a Hydro está baseada em outras experiências, como as dos crimes ambientais das mineradoras BHP e Vale nas cidade de Mariana, em Minas Gerais.

O PGMBM, inclusive, foi quem levou as reivindicações dos atingidos pelos desastres socioambientais ocorridos na cidade mineira em 2015 à corte inglesa. “A Norsk Hydro e suas afiliadas precisam ser responsabilizadas. A devastação ambiental e os danos à saúde da população que as empresas na região de Barcarena seguem impactando as vidas de milhares de pessoas”, afirma Tom Goodhead, sócio administrador do PGMBM.

Moraes explica as diferenças entre as ações judiciais que tramitam no Brasil e esta da corte de Roterdã: “Na Holanda a reivindicação é por reparação financeira aos impactados pelos crimes cometidos pela Hydro em Barcarena, na esperança de que a corte aprecie com celeridade o caso. No caso das ações brasileiras, estamos questionando todo o processo produtivo da Hydro, desde a captura mineral até a deposição dos rejeitos no DRS1 e DRS2” (abreviação de Depósito de Resíduos Sólidos).  

Subsídios à mineradora

Hydro processada
Instalações da Companhia de Alumina do Pará (CAP) do Grupo Norsk Hydro. A obra chegou a ser paralisada em 2012 (Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)

A Cainquiama também acusa a Hydro de ter construído suas bacias nas áreas de proteção ambiental previstas no projeto original da planta industrial da Alunorte, que data da década de 1990. A associação defende junto à Justiça brasileira que a Hydro não cumpriu o prazo do compromisso de mudar as matrizes energéticas de suas operações – que utilizam óleo combustível e carvão mineral atualmente – para uma alternativa sustentável, acordo que garante os subsídios fiscais concedidos à mineradora pelo governo do Brasil.

A pedido da Cainquiama, o Instituto Evandro Chagas realizou em 2018 um relatório técnico-científico sobre toda a cadeia produtiva da Hydro-Alunorte, no qual apontou os riscos de contaminação para as comunidades que vivem circunvizinhas à planta industrial na cidade. 

No estudo, foi analisada inclusive a composição da bauxita extraída pela Hydro na cidade de Paragominas, também no Pará, na qual estão presentes elementos contaminantes e perigosos à saúde humana e ambiental como chumbo, arsênio, cádmio, cromo, níquel, manganês, e até elementos radioativos como o urânio e o tório. O quadro fica ainda mais grave após o “choque” de soda cáustica sofrido pelo minério, já durante seu processamento, para a extração da alumina. O rejeito deste processamento é depositado em suas bacias.  

Joseane Ferreira Carvalho, uma das diretoras da Canquiama, afirma que as comunidades estão há anos clamando por justiça e que “algumas pessoas já morreram com doenças que ninguém sabe explicar”. 

“Não adianta tomar remédio porque a gente não sabe nem que doença a gente está tratando. Não temos água de qualidade, a água de Barcarena é envenenada com metais pesados. Eu mesma vivo doente e até câncer eu já tive”, afirma Joseane, que conta ter se mudado recentemente para tentar ficar mais longe da planta industrial da Hydro. Os “metais pesados” citados  por ela, de fato, são uma das maiores preocupações nos achados científicos em Barcarena, por serem agentes provocadores de câncer e outras enfermidades, além de adoecer também o meio ambiente e os animais que servem de alimento à população.

Socorro do Burajuba afirma que uma das coisas que “desespera” as comunidades é a demora da Justiça em julgar a mineradora. “Todos esses anos da gente doente, fazendo denúncias para o Ministério Público Federal e estadual e nada ainda foi feito. Até quando a gente vai aguentar isso?”, questiona.

“Por que tanta dor de estômago, perda de dentes, perda de cabelo, tumores que surgem do nada? Há algo de errado. Espero que a empresa seja condenada a pagar por todos os danos que cometeu. Que ela reconheça. O juiz sabe que eles não podem fazer esse crime”, enfatiza Socorro.

Procurada pela reportagem da Amazônia Real, a Hydro informou que solicitou à Justiça holandesa que suspendesse a questão até que “uma decisão final seja alcançada nos casos brasileiros”. Em nota, a empresa se justifica: “O caso na Holanda trata de alegações feitas no Brasil, que já estão sendo discutidas nos tribunais brasileiros. Este processo contra acionistas indiretos é apenas uma repetição dos processos que têm por objeto os mesmos fatos e alegações contra empresas brasileiras.”

A Hydro também afirma operar com todas as licenças ambientais exigidas pelo governo brasileiro e diz possuir certificações internacionais de gestão de sua cadeia produtiva de alumínio. Perguntada sobre as acusações de ser responsável por promover contaminações em Barcarena, a Hydro responde que as alegações são falsas e que as operações da Alunorte, Albras e Mineração Paragominas no Pará “seguem rigorosamente todos os parâmetros estabelecidos na legislação brasileira” e que o grupo “estabelece rígidos padrões de controle, monitoramento e prevenção e suas operações de bauxita e alumina”.

A respeito da matriz energética utilizada em suas operações e a necessidade de substituí-las por alternativas de menor impacto ao meio ambiente, a Hydro informou que trabalha na inclusão de outros combustíveis e pretende tornar neutras suas emissões de carbono até 2050.

A Hydro na Amazônia

Hydro processada
Maria do Socorro com o advogado Ismael Moraes e a equipe de advogados que defendem a Cainquiama na ação protocolada na corte holandesa em frente à corte de Roterdã (Acervo pessoal)

O monopólio da produção de um dos mais conhecidos e importantes metais para a sociedade contemporânea chama atenção por estar localizado na Amazônia, atingindo direta ou indiretamente diversos municípios, além dos locais onde sua operação de fato ocorre, Barcarena e Paragominas. 

A companhia possui ainda um mineroduto com cerca de 250 quilômetros de extensão.  Ele é responsável por transportar bauxita liquefeita, ou seja, misturada a um líquido que ajuda no transporte do mineral, e atravessa dezenas de comunidades tradicionais, principalmente quilombolas, ao longo de cerca de 20 municípios paraenses.

Segundo denúncias recebidas pela Amazônia Real, o extenso mineroduto já causou o assoreamento de rios, a supressão de áreas tradicionais quilombolas, alterações nos modos de vida das populações e vazamentos que preocupam as comunidades, como é o caso das comunidades quilombolas de Jambuaçu, no município de Moju, também no nordeste paraense. 

Atualmente, o mineroduto está passando por substituições e, por conta de várias violações e possíveis contaminações ambientais, incluindo o rio Jambuaçu, as comunidades do território quilombola conseguiram a paralisação das obras junto ao MPF. 

O grupo norueguês detém a maior parte da cadeia produtiva do alumínio na Amazônia, contando com uma mina de bauxita em Paragominas e sendo o principal cliente da Mineradora Rio do Norte (MRN), localizada em Oriximiná, responsável pela lavra de bauxita na região do Tapajós – e da qual a Norsk Hydro também é acionária. 

Albrás e Alunorte, fundadas em 1985 e 1996 pela então estatal Companhia Vale do Rio Doce – que, depois de privatizada, vendeu suas ações para o grupo Hydro – , atuam na cidade de Barcarena em regime de interdependência. A Alunorte é responsável por refinar a bauxita e extrair as moléculas de alumínio do minério, deixando-o na forma de alumina, matéria-prima do alumínio. 

Este composto finíssimo e branco produzido em larga escala pela Alunorte, fazendo dela a maior do mundo nesta atividade, é destinado, em parte, à exportação e à indústria-irmã, a Albrás (outra gigante mundial do setor mineral), que o transforma em alumínio a ser vendido em forma de lingotes ou tarugos para o mercado nacional e internacional.

A questão que pesa contra o grupo norueguês é que toda essa atividade industrial diuturna e ininterrupta, que já ocorre há mais de 40 anos, considerando o tempo em que as empresas pertenciam a outros acionistas, acontece próxima a cinco comunidades quilombolas e pelo menos outras 30 comunidades ribeirinhas da região. 

Suas bacias de rejeitos químicos também estão instaladas a poucos metros dessas comunidades e, segundo denúncias da Cainquiama, estão em áreas que deveriam ser destinadas à reserva ambiental ou a zonas de amortecimento.

Crimes ambientais

Depósito de resíduos da Hydro, agora processada na Europa
Foto de 2018 da bacia de resíduos sólidos da Hydro Alunorte, em Barcarena. (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)

São muitas as denúncias que pesam contra o grupo Norsk Hydro na Amazônia, sobretudo em Barcarena, por conta dos prejuízos causados por suas plantas industriais e suas gigantescas bacias de rejeitos chamadas de DRS 1 e DRS2. 

As acusações vão desde vazamentos e despejos irregulares de lama vermelha (rejeito do processamento da bauxita) em direção aos rios da região e aos igarapés que banham as comunidades tradicionais do município até a contaminação atmosférica causada pela queima de combustíveis fósseis nas caldeiras das indústrias e pelo acúmulo de poeira tóxica (lama vermelha ressacada) nas bacias de rejeitos da indústria. 

A poeira chega até as casas das famílias, a maioria de populações tradicionais que vivem nas imediações das fábricas. As comunidades se queixam de coceiras,  dores de cabeça e problemas respiratórios. Em fevereiro de 2018, a maior de suas bacias, o DRS1, transbordou e levou rejeitos tóxicos para os rios e igarapés que cercam a indústria.

Amazônia Real acompanha desde 2018 as denúncias e os desdobramentos do último crime ambiental atribuído à Hydro em Barcarena, o transbordamento do DRS1, em fevereiro daquele ano. 

A mineradora nega que sua bacia de rejeitos transbordou. Na época, ao longo das investigações realizadas pelo Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) e pelo Ministério Público Federal (MPF), também foram descobertos dutos clandestinos de escoamento de rejeitos não-tratados em direção ao meio ambiente. 

Proibida para consumo

Protesto, em 2019, contra a empresa Hydro Alunorte
Maria do Socorro Marques do Carmo faz proposta, em 2019, na porta de mineradora (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)

Em março de 2018, o Institut Evandro Chagas (IEC), vinculado ao Ministério da Saúde, produziu um relatório, sob demanda do MPPA, informando que havia encontrado substâncias tóxicas nos rios e igarapés que circundam a planta industrial da Hydro Alunorte e que suas águas “não poderiam ser utilizadas para recreação, pesca ou consumo humano”. 

Os pesquisadores apontaram no documento que as substâncias encontradas coincidiam com os elementos químicos resultantes do processamento de bauxita, acumulados na forma de lama vermelha, e depositados nos DRS1 e DRS2. No mesmo relatório, o IEC também condenou o despejo de cinzas das caldeiras da indústria nas suas bacias de rejeitos, por ser um material altamente perigoso ao meio ambiente e à saúde humana. 

Foi tamanha a insatisfação do grupo norueguês com os dados apresentados, que a Hyro chegou a processar o pesquisador Marcelo de Oliveira Lima, que coordenou os estudos, por injúria e difamação. A ação foi rejeitada pela Justiça.

A Hydro foi autuada pelo Ibama em 20 milhões de reais, chegou a ter sua operação embargada, ameaçou dispensar funcionários e conseguindo assim suspender o embargo. A empresa assinou um Termo de Ajustamento de Condutas no qual se comprometeu a realizar mudanças em suas estruturas, criar um plano de emergência e distribuir, via ticket alimentação, 600 reais para as pessoas atingidas pelo mesmo transbordamento que a indústria afirma não ter acontecido.

Até hoje, dezenas de famílias se queixam de nunca terem recebido a parcela do auxílio prometido pela empresa e acordado no documento. A Hydro alega que precisou suspender o cadastramento das famílias por conta da pandemia, cujo primeiro caso só foi registrado oficialmente no Brasil em março de 2020.

Exames de cabelo realizados pelo Laboratório de Química Analítica e Ambiental da Universidade Federal do Pará (Laquanam/UFPA) e de sangue realizados pelo Laboratório Central do Pará (Lacen-PA), cujos resultados foram entregues em 2018, demonstraram níveis alarmantes de contaminantes nos materiais biológicos da população analisada. Entre os contaminantes químicos estão o chumbo, o cromo e o alumínio – todos igualmente presentes nos rejeitos da Hydro Alunorte, segundo estudos do IEC e do Laquanam. 

Ouvida pela Amazônia Real no final de novembro do ano passado, a pesquisadora doutora Simone Pereira, que coordena o Laquanam, chegou a afirmar que Barcarena é um lugar “extremamente perigoso para bichos, para plantas e para pessoas”. Para ela, as pessoas estão expostas a contaminantes em níveis inescapáveis no município: “Você pode tomar a água mineral, comprar comida produzida em outros locais, mas não pode deixar de respirar o ar contaminado dali. Todas as pessoas que vivem em Barcarena estão sujeitas às contaminações da água, do solo e da atmosfera”.

A respeito do episódio de 2018, a Hydro afirma em nota que foram realizadas mais de 90 fiscalizações e auditorias por órgãos públicos, como Ibama, Defesa Civil e secretarias estadual e municipal de meio ambiente. Essas ações comprovariam que não houve transbordamento dos depósitos de resíduos  da Alunorte. “Alegações adicionais permanecem infundadas e não há evidências de contaminação nas comunidades causada pela Alunorte relacionada às chuvas de fevereiro de 2018”, finaliza.

Citada pela Hydro em nota, a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas) desmente a mineradora. Procurada pela reportagem para falar sobre o que ocorreu em 2018, a Semas afirmou que “o evento ocorrido em fevereiro de 2018, envolvendo a empresa Hydro Alunorte, foi caracterizado como transbordamento de bacia”.

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